Portal de Eventos do IFRS, 9º SALÃO DE PESQUISA, EXTENSÃO E ENSINO DO IFRS

Tamanho da fonte: 
Tecnologias digitais no ensino de física
Murillo Pereira Azevedo, Letícia Machado, Letícia Machado

Última alteração: 17-12-2024

Resumo


Introdução

A Física, de fato, carrega uma reputação de ser uma disciplina assustadora para muitos estudantes do ensino básico. Diversos fatores contribuem para essa percepção, e é difícil apontar para um momento na história quando a Física passou a ser vista como “difícil”. No entanto, alguns fatores históricos podem ter contribuído para essa percepção. Na Revolução Científica, a partir do século XVII, as ciências passaram por uma grande transformação com as descobertas de Galileu, Newton e outros estudiosos contemporâneos culminando no nascimento da Física. A crescente complexidade do método científico permitiu a separação da filosofia dos fenômenos naturais e pode ter aumentado a distância entre as ciências como um todo e o público geral. Já no início do século XX, as teorias da relatividade de Einstein e a Física quântica introduziram conceitos ainda mais abstratos e desafiadores para a compreensão humana, solidificando a imagem da Física como uma área complexa e inacessível. Soma-se a isso, a imagem do "cientista louco" ou do "gênio incompreendido" presente na cultura popular que pode contribuir para a ideia de que a Física é apenas para pessoas excêntricas ou excepcionalmente inteligentes.

A aversão pela Física, por alguns alunos no ensino básico, impacta negativamente no número de estudantes que iniciam a graduação de Física. No entanto, depois do ingresso na universidade o problema passa a ser a permanência. Ramos (2013), com base nos dados do Censo no período de 2007 a 2011, mostrou que  70% dos estudantes ingressantes nas licenciaturas em Física não concluem os estudos, pelos mais diversos motivos, refletindo na escassez de profissionais capacitados para ministrar essa disciplina na educação básica, alimentando assim um ciclo vicioso difícil de interromper.

O ensino médio é o maior espaço de atuação do licenciado em Física (Pinheiro, 2019). Ciente disso buscou-se informações acerca do trabalho docente no ensino médio. Num levantamento acerca da produção acadêmica sobre trabalho docente na educação básica no Brasil entre 1987 e 2007 (Duarte, 2010), foram encontrados 467 trabalhos, sendo 388 dissertações e 79 teses, sendo que destes, apenas 11 % discutem a profissão do professor em atuação no Ensino Médio. Duarte não relata em seu estudo nenhuma aparição sobre o trabalho dos professores de Física no ensino médio, mas destaca que 77,8% das investigações acerca do trabalho docente se concentram prioritariamente na discussão de temáticas referentes à formação docente. De forma geral os trabalhos têm buscado focar os processos de formação e de profissionalização, o exercício da docência, a construção da identidade docente, os processos de trabalho, as condições e as relações de trabalho, o processo de resistência, bem como o de abandono e o adoecimento dos profissionais da docência (ibidem).


Metodologia

Foi feita uma pesquisa entre junho e julho de 2024 com 68 professores de Física de diversas regiões do Brasil. Os respondentes da pesquisa são majoritariamente alunos ou egressos do curso de física. Na maioria das perguntas a soma das porcentagens é maior que 100 já que é possível que o respondente opte por mais de uma alternativa de resposta. Para outras perguntas foi utilizada a escala tipo Likert para verificar o nível de concordância com as opções oferecidas onde 1 indica “discordo totalmente” e 5 significa “concordo plenamente” e números intermediários simbolizam níveis parciais de concordância.

Resultados

Dos pesquisados, a maioria dos respondentes 82% têm licenciatura em Física; 13% respondentes têm graduação em matemática, enquanto que no restante encontramos bacharéis em física, graduados em engenharias, química, pedagogia e ciências da natureza. O perfil dos respondentes é majoritariamente trabalhador da escola básica de ensino público representando 83%. A maior parte dos professores, 83,6% leciona mais de uma especialidade da Física.

A preparação das aulas demanda menos de 10 horas semanais para 51 dos respondentes, enquanto 44 professores passam mais de 20 horas em sala, com 17 superando as 30 horas. Muitos lecionam em mais de uma escola, e 29% têm mais de 10 turmas sob sua responsabilidade. Esse cenário destaca a carga de trabalho intensa e a necessidade de melhor distribuição de tempo e recursos.

Há uma alta adesão ao uso de dispositivos digitais no ensino, com datashow (86,6%), notebooks (85,1%), e smartphones (71,6%) destacando-se. Contudo, a qualidade da internet ainda é um desafio significativo. A maioria das escolas disponibiliza equipamentos digitais para professores, mas a qualidade do serviço de internet para os alunos precisa de melhorias consideráveis.

Pouco mais de  ⅔ dos professores disponibilizam anotações e arquivos de aula para os alunos, e apenas 36,4% das escolas possuem laboratórios de Física adequados. O uso de aplicativos de simulação é comum e fornece uma alternativa viável para a experimentação em conceitos abstratos. Os vídeos são utilizados por 61 dos professores, majoritariamente para introduzir conceitos de maneira dinâmica. Sobre laboratórios de Física, a pesquisa indica que 30 professores não os utilizam, e os demais os usam de forma limitada devido à falta de infraestrutura adequada. Ambientes virtuais de aprendizagem como Google Classroom (55,7%) são amplamente utilizados, isso sugere uma preferência por ferramentas que oferecem flexibilidade e interação assíncrona, mas 29,9% dos professores ainda não usam AVAs, o que revela a resistência ou falta de familiaridade/capacitação nesse âmbito.

A resistência ao uso de celulares em sala de aula é evidente, com 26,8% dos professores se opondo parcial ou totalmente à prática, no entanto não foi perguntado o motivo. Tanto a falta de formação específica quanto a preocupação com distrações podem influenciar essa resistência. Os professores também indicam uma falta de formação em tecnologias digitais, com 50% nunca tendo recebido capacitação, sublinhando a urgência por mais programas de treinamento.

Ainda que incipiente na prática atual, há uma expectativa crescente de que a IA se torne uma ferramenta valiosa no ensino de Física nos próximos anos. Professores veem potencial em simulações de experimentos e na criação de ambientes de aprendizagem imersivos, apesar de reconhecer também a necessidade de abordar essas inovações com prudência. As respostas mostram que existe uma expectativa de que os professores incorporem as técnicas oferecidas pela IA para um futuro próximo. As respostas refletem um interesse e disposição para integrar novas tecnologias, inclusive IA, com 85,1% dos professores destacando a importância da integração de recursos digitais. Planos de formação profissional e o desenvolvimento de habilidades digitais são apontados como caminhos para a adaptação às demandas futuras da docência, com muitos professores recorrendo ao autodidatismo ou treinamento corporativo.

Conclusões

São muitas as competências exigidas na profissão, desde o conhecimento teórico até habilidades pedagógicas e tecnológicas. Há uma preocupação com o isolamento da Física ensinada nas escolas em relação às suas aplicações práticas, apesar da evolução tecnológica no século XXI. A formação inicial dos professores tem se atualizado em várias universidades, mas a realidade das escolas brasileiras ainda não reflete adequadamente essas reformulações.

Embora haja uma alta adesão ao uso de dispositivos digitais, a infraestrutura tecnológica nas escolas apresenta variações significativas, com a qualidade da internet sendo um desafio, especialmente para os alunos, e a polarização no debate sobre o uso de celulares em aulas permanece evidente. As escolas evoluíram digitalmente, pois a maioria dos professores usa algum tipo AVA, mas os laboratórios de Física e seus recursos ainda são inadequados em muitas escolas. O uso de simulações e aplicativos emerge como uma alternativa valiosa para a compreensão de conceitos abstratos. Por fim, a integração da inteligência artificial (IA) nas aulas de Física é vista com interesse, mas também com cautela, ressaltando a importância de manter a interação humana no processo de ensino-aprendizagem. A pesquisa destaca a necessidade de investimentos em infraestrutura, formação contínua e a integração eficaz entre recursos tradicionais e digitais para um ensino mais engajador e eficaz.

ReferênciasDUARTE, A.. A produção acadêmica sobre trabalho docente na educação básica no Brasil: 1987-2007. Educar em Revista, n. spe_1, p. 101–117, 2010.PINHEIRO, Lisiane Araújo. O perfil e os desafios do educador em Física na perspectiva das diretrizes curriculares nacionais de 2015: a formação de profissionais críticos à educação básica. 2021.PUGLIESE, R. M.. O trabalho do professor de Física no ensino médio: um retrato da realidade, da vontade e da necessidade nos âmbitos socioeconômico e metodológico. Ciência & Educação (Bauru), v. 23, n. 4, p. 963–978, out. 2017.RAMOS, I. J. Panorama das Licenciaturas de Ciência e Matemática no Brasil: Fragilidades, Ofertas e Tecnologias. 2013. Tese de Doutorado. Tese de Doutorado, Universidade Cruzeiro do Sul, São Paulo.


Palavras-chave


Ensino, física, tecnologias digitais

Texto completo: PDF