A gestão democrática é o modelo de gestão escolar mais pautado a ser exercido nas escolas e sistemas de ensino públicos brasileiros, tendo em vista que apoia-se na construção de formas de gerir e administrar as escolas que viabilizem um projeto de democratização das relações no interior desses espaços (PARO, 2016). Esse modelo de gestão do ensino é garantido em lei pela Constituição Federal (Brasil, 1988), pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Brasil, 1996) e é, ainda, uma das metas a serem alcançadas pela educação pública constante do Plano Nacional de Educação (Brasil, 2014). Percebemos, assim, a relevância que o tema possui para a educação pública no Brasil.

De acordo com a Constituição Federal, Lei de Diretrizes e Bases da Educação e Plano Nacional de Educação, a gestão democrática pode ser compreendida a partir de alguns critérios básicos, sendo estes a constituição e atuação de órgãos participativos na gestão escolar, tais como conselho escolar, CPM, grêmio estudantil, fóruns; a participação da comunidade escolar e dos profissionais da educação na elaboração do Projeto Político Pedagógico, de modo coletivo e participativo; “a nomeação do diretor escolar associada a critérios técnicos de mérito e desempenho e à consulta pública à comunidade escolar também faz parte da gestão democrática.” (BRASIL, 2014)

Acreditamos na relevância da temática para a concretização de projetos de democratização das e nas escolas públicas, a partir da compreensão do que é a gestão democrática, mas taḿbém da luta política pela sua efetivação como um caminho para que espaços de construção coletiva e horizontais sejam de fato realizados nas instituições de ensino.

Nesse sentido, o presente artigo tem como objetivo realizar uma análise dos Projetos Políticos Pedagógicos do município de Capão da Canoa de modo a perceber os princípios bases da gestão democrática nos referidos documentos. O município de Capão da Canoa conta, atualmente, com onze escolas regulares de ensino fundamental.

A escolha dos projetos político-pedagógicos se dá pela compreensão de que os mesmos se constituem enquanto documentos de relevância na orientação do trabalho da escola, tendo em vista que se encontram presentes nele as concepções de educação utilizadas para sua elaboração, o planejamento organizativo do trabalho pedagógico e as intenções de ações futuras para a melhoria da escola. O projeto pedagógico de uma instituição de ensino representa uma intencionalidade, uma orientação. Segundo Veiga (2013, p. 12), ao se construir um projeto pedagógico, “planejamos o que temos a intenção de fazer, de realizar. Lançamo-nos para diante, com base no que temos, buscando o possível. É antever o futuro diferente do presente.” Ou seja, expressam-se nesse documento às intencionalidades e os modos de realizá-las. “O projeto busca um rumo, uma direção, é uma ação intencional, com um sentido explícito, com um compromisso definido coletivamente.” (VEIGA, 2013, p. 13).

Ainda segundo a autora,

Político e pedagógico têm assim uma significação indissociável. Neste sentido é que se deve considerar o projeto político-pedagógico como um processo permanente de reflexão e discussão dos problemas da escola, na busca de alternativas viáveis à efetivação de sua intencionalidade [...] (VEIGA, 2013, p. 13)

Compreendemos os projetos analisados enquanto documentos que são frutos de diversos atravessamentos e intencionalidades: daqueles que o projetam, daqueles que o regulam e daqueles que o efetivam no interior das escolas.

Assim, a partir do conceito de gestão democrática e das análise dos PPPs, procuramos responder à seguinte pergunta: De que forma a gestão democrática, em seus princípios, se encontra presente nos Projetos Político Pedagógicos das escolas de ensino fundamental do município de Capão da Canoa?

Dessa problemática de pesquisa, desdobram-se os objetivos específicos que consistem em analisar os documentos orientadores do processo educativo das escolas municipais; compreender de que forma a gestão democrática está presente nos documentos e quantificar quantas escolas possuem Conselho de Pais e Mestres, Conselho escolar e grêmio estudantil.

2. Procedimentos metodológicos

Partimos da compreensão de que os documentos escritos seguem sendo uma fonte válida e rica para pesquisas em ciências humanas e sociais, de caráter qualitativo, na tentativa de lançar mais compreensão a uma determinada realidade. Segundo Minayo (2001), pesquisas qualitativas não excluem análises quantitativas, mas abordam os

significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis. (p. 22).

Nesse sentido, a pesquisa aqui realizada se constitui enquanto uma pesquisa de caráter qualitativo, produzida a partir de Análise Documental (Cellard, 2012; Gil, 2002), balizada pela Análise de Conteúdo (Bardin, 2004).

Segundo Cellard (2012)

O “documento” em questão, aqui, consiste em todo texto escrito, manuscrito ou impresso, registrado em papel. Mais precisamente, consideraremos as fontes, primárias ou secundárias, que, por definição, são exploradas - e não criadas - no contexto de um procedimento de pesquisa [...] (p. 297)

O autor aborda “documento” como toda fonte escrita, aĺém de serem fontes que não sofreram nenhuma inferência, sendo este um dos requisitos (Gil, 2002; Kripka, Scheller, Bonotto, 2015) para que a pesquisa em questão seja considerada uma pesquisa documental. Será nosso papel, no processo de pesquisa, realizar a exploração, análise e inferências sobre os documentos selecionados. Nesse sentido, elencamos a análise documental como metodologia para coleta de dados por trabalharmos com documentos que não sofreram nenhum tipo de intervenção, são fontes históricas relacionadas às escolas nas quais foram produzidos e por nos possibilitarem compreender aspectos conceituais, organizativos e pedagógicos das escolas em questão. Deste modo, nosso corpus de análise foi delimitado, em um primeiro momento, nos projetos político-pedagógicos das onze escolas municipais de ensino fundamental de Capão da Canoa.

Ainda segundo Cellard (2012)

Não se pode pensar em interpretar um texto, sem ter previamente uma boa idéia da identidade da pessoa que se expressa, de seus interesses e dos motivos que a levaram a escrever. Esse indivíduo fala em nome próprio, ou em nome de um grupo social, de uma instituição? Parece, efetivamente, bem difícil compreender os interesses (confessos, ou não) de um texto, quando se ignora tudo sobre aquele ou aqueles que se manifestam, suas razões e as daqueles a quem eles se dirigem. (p. 300)

Assim, entendemos que realizar a pesquisa tendo como fontes os PPPs das escolas dedica-se também a compreender a que destina-se a elaboração desses projetos, qual seu papel na organização da escola e do trabalho pedagógico, quais perspectivas educacionais estão postas ali, como se deu sua elaboração, em nome de quem falam e porque a gestão democrática deveria estar presente nesses documentos.

A análise dos dados coletados será realizada a partir da Análise de Conteúdo (BARDIN, 2004), a partir de algumas categorias que foram estabelecidas a priori, sendo estas participação, pluralismo, autonomia e transparência.

3. Resultados

Das onze escolas selecionadas para análise, conseguimos os projetos político-pedagógicos de quatro delas; além disso, algumas escolas que foram colocadas na pesquisa estão em processo de reelaboração dos seus PPPs, assim, utilizaremos os últimos modelos disponibilizados pelas mesmas.

Ao buscarmos pelas categorias estabelecidas a priori, pudemos chegar a algumas constatações: a categoria participação é a que mais aparece nos projetos. Após, a categoria autonomia é a segunda mais presente, mas novamente, muitas vezes com o sentido de uma habilidade a ser desenvolvida pelos estudantes. As categorias transparência e pluralismo aparecem em apenas um dos PPPs analisados. Cabe salientar que nem sempre as categorias analisadas trazem sentidos que estão relacionados à gestão democrática.

Ao buscarmos por gestão democrática, grêmio estudantil, CPM e conselho escolar pudemos perceber que apenas uma das escolas utiliza o termo gestão democrática para referir-se a maior participação de estudantes e como forma de incentivo da promoção da mesma, porém, não traz nenhuma definição. As demais sequer aparece a expressão nos documentos analisados.

4. Considerações finais

Compreendemos, a partir dessa análise inicial, que as categorias a priori mais encontradas são participação e autonomia, ainda que nem sempre seu sentido esteja relacionado ao de gestão democrática da escola. Além disso, pudemos tomar conhecimento da ausência da expressão nos projetos analisados, o que pode ser um indicativo de como as gestões escolares têm se ausentado de pensar sobre esse modelo de gestão escolar pautado na democratização das relações no interior da escola. Entretanto, compreendemos que uma análise mais aprofundada se faz necessária para melhor compreender o objetivo estabelecido para a pesquisa.

Palavras-chave: Gestão democrática escolar; Projeto Político Pedagógico; Educação básica

5. Referências bibliográficas

BARDIN, L. Análise de conteúdo. 3. ed. Lisboa: Edições 70 Ltda., 2004.

CELLARD, A. A análise documental. In: J. Poupart, et al. (Orgs.) A pesquisa qualitativa: enfoques epistemológicos e metodológicos. 3. ed. - Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.

Gil, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. 4ª. ed. - São Paulo: Atlas, 2002.

MINAYO, M. C. S. (Org.). Pesquisa Social. Teoria, método e criatividade. 18 ed. Petrópolis: Vozes, 2001.

PARO, V. H. Gestão democrática da escola pública. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2016.

VEIGA, I. P. A. (org.). Projeto Político Pedagógico da escola: uma construção possível. 29ª ed. Campinas, SP: Papirus, 2013.