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O r-tepe /ɾ/ na fala de usuários descendentes de falantes de Hunsrückisch: um preconceito linguístico com essa variante fonológica na Língua Portuguesa Brasileira na comunidade escolar de Feliz.
Camila Elis Fritsch, Cristiano da Silveira Pereira

Última alteração: 14-09-2018

Resumo


A Língua Portuguesa é o idioma oficial do Brasil, conforme o artigo 13 da Constituição Brasileira. O idioma é herança de um processo de colonização de Portugal que durou 322 anos e que, consequentemente, deixou marcas em nossa cultura. Ainda assim, o Português não é única língua falada no Brasil, pois dados de 2013 dão conta de que cerca de 330 línguas são faladas no Brasil (ALTENHOFEN, 2013, p.106), dentre elas encontram-se línguas autóctones, tal como as línguas indígenas, e línguas alóctones relativas aos imigrantes.

O Hunsrückisch, variedade linguística alemã falada no sul do Brasil, foi uma dessas línguas trazidas pelos alemães da região de Hunsrück durante o processo de imigração que ocorreu no Brasil em 1824. Essa variedade alemã tem como base, essencialmente, o dialeto francônico-renano, porém se desenvolveu no decorrer do tempo, tendo influências de outros dialetos alemães em solo brasileiro e, também, influências do Português. Segundo Spinassé (2013), o Hunsrückisch, devido às influências do Português, até já foi considerado como uma “língua misturada”, o que vinculou à língua um status pejorativo.  Além disso, há fatores históricos, como as leis de nacionalização de Getúlio Vargas, na época do Estado Novo (1937-1945), e a Segunda Guerra Mundial, que, proibiram o uso do alemão nos colégios e impediram o seu uso em ambientes públicos (ALTENHOFEN, 1996, p. 69-70). Assim, os colonos alemães, que já tinham perdido a relação exclusiva com sua língua devido ao estabelecimento da República em 1889 e com a legitimação da Língua Portuguesa, distanciaram-se ainda mais do contato com o alemão padrão.  Ainda segundo Spinassé (2013, p.337), muitos dos que continuam falando o Hunsrückisch sofrem preconceito em relação a seu sotaque ou pelo simples fato de falar uma língua “diferente” que, a outros olhos, se trata de uma língua “menor”.

As influências desse contato linguístico não se limitam apenas a aspectos lexicais em que ocorre o empréstimo de palavras entre as línguas, mas - também - no campo da fonética-fonologia do português falado por descendentes alemães. Nesse campo, é possível perceber na fala desses descendentes a troca do r-forte /r/ pelo r-tepe /ɾ/ em palavras da Língua Portuguesa. Porém, a substituição desse fonema, muitas vezes, é motivo de preconceito linguístico com os descendentes que se utilizam dessa variante fonológica devido ao contato com a língua de imigração alemã.

O presente trabalho diz respeito à variedade dialetal Hunsrückisch, que atualmente pode ser considerada como uma língua de imigração, tendo em vista sua origem e seu caráter de língua minoritária em solo brasileiro. O foco central desse incide na variedade do Hunsrückisch falada na região do Vale do Caí, mais especificamente, por descendentes de alemães da cidade de Feliz.

Na cidade de Feliz, o Hunsrückisch se faz presente nas mais diversas situações, sejam elas familiares ou sejam comerciais. A cidade de berço alemão possui habitantes que possuem a língua de imigração como parte de sua identidade. O uso da língua ocorre, principalmente, por pessoas mais idosas que, na maioria das vezes, foram criados somente em torno dela. Desse modo, é comum, por exemplo, a exigência da fala do “alemão” em postos de emprego, pois, quando esses sujeitos solicitam algum serviço ou desejam comprar algo com o uso do Hunsrückisch, a comunicação é melhor por parte desses.

Nesse sentido, a partir de observações cotidianas, percebeu-se a troca de fonemas realizada na fala dos habitantes da cidade, principalmente nos sujeitos descendentes de alemães que fazem o uso da língua imigração.  A troca mencionada diz respeito ao fonema r-forte /r/ pelo r-tepe /ɾ/ que se evidencia, principalmente, em palavras com dois [rr] (carreta, correio). A particularidade das observações realizadas ocorreu em torno do preconceito linguístico existente em relação a essas variantes fonológicas. Nessas situações, foram constantes as risadas, os deboches ou os comentários em relação a esses falantes que apresentam essas variações e são apontados pela fala “errada” de palavras que apresentam esses fonemas. Tal preconceito faz com que a maioria desses falantes tente deixar de utilizar esse r-tepe /ɾ/ adquirindo, assim, uma postura de correção ao falar palavras que apresentem esses fonemas.

Nessa perspectiva, o presente trabalho pretende estudar o preconceito linguístico com a variante fonológica do /ɾ/ tepe na fala de usuários descendentes de falantes do Hunsrückisch. Pretende-se observar a pronúncia dos [r] em palavras da língua portuguesa e entender a razão pela qual esses usuários sentem uma motivação para trocar de fonemas.

Este trabalho tem por objetivo contribuir para a linha de pesquisa dos estudos que abordam línguas de imigração, analisando essa variável fonológica do português falado por descendentes de imigrantes alemães na cidade de Feliz. Para tanto, serão aplicados questionários e realizadas entrevistas com estudantes em idade escolar dessa mesma cidade. Primeiramente, pretende-se analisar as ocorrências das variáveis fonológicas r-tepe /ɾ/ e r-forte /r/ do Português falado por descendentes de imigrantes alemães e verificar em quais contextos isto ocorre. Além disso, espera-se encontrar possíveis ocorrências de preconceito linguístico decorrentes dessas variações para realização do estudo nesse âmbito em algumas comunidades escolares.

Considera-se que a influência do Hunsrückisch na pronúncia do r-tepe /ɾ/ na fala de palavras da língua Portuguesa dos descendentes de alemães, ocorra devido à diferença na articulação do fonema nas línguas em questão. Na Língua Portuguesa existem dois fonemas vibrantes, o [r] forte e o [r] fraco, que possuem característica velar e alveolar, respectivamente. Já no Hunsrückisch, existe somente um fonema vibrante: tepe alveolar vozeado ou simplesmente tepe /ɾ/. Portanto, pressupõe-se que ocorra influência do Hunsrückisch na troca de fonemas em palavras do português na fala de descendentes alemães devido ao contato linguístico desses descendentes com as duas línguas.

Dado que a pesquisa ainda se encontra em andamento, temos como resultados parciais o retorno dos questionários aplicados em alunos do ensino fundamental e médio na comunidade escolar de Feliz. No produto destes questionários foram identificadas algumas respostas que apresentam ideias relacionadas ao preconceito linguístico. Portanto, nesta fase da pesquisa está se realizando entrevistas com estes sujeitos a fim de compreender essas ocorrências de preconceito linguístico em relação ao [r] tepe presente na fala de descendentes de alemães usuários de Hunsrückisch.

Confere-se a importância dessa pesquisa a contribuição aos estudos linguísticos na área da Sociolinguística, mais especificamente aos estudos relacionados ao preconceito linguístico. Além disso, pretende-se pontuar sobre a importância do trabalho em relação às variações linguísticas na escola, pois essas estão presentes em nossas comunidades e, consequentemente, em nossas salas de aula.

Referências:

ALTENHOFEN, Cléo V. Hunsrückisch in Rio Grande do Sul. Ein Beitrag zur Beschreibung einer deutschbrasilianischen Dialektvarietät im Kontakt mit dem Portugiesischen. Stuttgart: Steiner, 1996.

ALTENHOFEN, Cléo Vilson. Migrações e contatos linguísticos na perspectiva geolinguística pluridimensional e contatual. Revista de Letras Norteamentos, Estudos Linguísticos, Sinop, v. 6, n. 12, p. 31-52, jul./dez. 2013. Disponível em: http://sinop.unemat.br/projetos/revista/index.php/norteamentos/ article/view/1216. Acesso em: 26 de junho de 2018.

SPINASSÉ, Karen Pupp; et al. O aspecto lexical na língua dos imigrantes alemães no Brasil. In: MARTINEZ, Elda Evangelina González et al (Org.). História da imigração: possibilidades e escrita. São Leopoldo: Oikos, Editora UNISINOS, 2013, p.334-354.

 


Palavras-chave


Sociolinguística; Hunsrückisch; Preconceito Linguístico.

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