Última alteração: 30-08-2019
Resumo
A Biomatemática, área na qual se estuda modelos matemáticos para investigar o comportamento de sistemas biológicos, embora seja uma das áreas mais importantes em matemática aplicada, ainda é pouco conhecida e explorada nos cursos de graduação. Historicamente, o desenvolvimento de modelos matemáticos para retratar fenômenos naturais têm sido construídos a partir de equações diferenciais (no qual o tempo é considerado contínuo), como por exemplo o modelo de Malthus, modelo de Verhulst (equação logística) e modelo de Lotka-Volterra. Entretanto, existem vários sistemas cuja dinâmica é melhor descrita ao considerarmos intervalos de tempo discretos, como por exemplo, em espécies com reprodução sazonal ou com ciclo anual de vida (BEGON et al., 2006). Além disso, em estudos experimentais, os dados são frequentemente coletados em intervalos de tempo igualmente espaçados, mesmo em casos em que o objeto de estudo evolua, na verdade, continuamente. Por exemplo, um pesquisador faz observações a respeito de uma reação química a cada hora, da altura de uma planta a cada dia, da população de determinada espécie a cada ano, etc. (DE VRIES et al., 2006). Para estes cenários, é mais adequada a utilização de equações a diferenças (onde o tempo é considerado discreto) ao invés de equações diferenciais.
Com as equações a diferenças podemos, a partir de uma população inicial, calcular recursivamente o número de indivíduos após n gerações. Diversos modelos discretos em dinâmica de populações são formulados a partir destas equações. O modelo de Nicholson-Bailey (1935), por exemplo, analisa a dinâmica parasitóide-hospedeiro através de um sistema de equações a diferenças não lineares. Sistemas envolvendo este tipo de modelagem são capazes de descrever a dinâmica entre duas ou mais populações, incorporando à formulação matemática relações simbióticas: mutualismo, comensalismo e parasitismo. Além disso, pode-se analisar a evolução de uma população de presas e predadores e verificar condições para sua persistência ou extinção. O comportamento qualitativo das soluções de modelos discretos é, em geral, muito mais complexo do que aqueles obtidos através de modelos contínuos, mesmo em modelos para uma única população (MAY, 1976). Embora o interesse por modelos de tempo discreto tenha aumentado durante as últimas décadas, modelos para sistemas com interação entre espécies ainda permanecem longe de serem completamente entendidos (WEIDE, 2019).
Diante disso, no ano de 2019 iniciou-se uma pesquisa intitulada “Estudo de equações a diferenças aplicadas em dinâmica populacional” no curso de Licenciatura em Matemática do IFRS – Campus Bento Gonçalves, cujo principal objetivo era desenvolver modelos matemáticos usando equações a diferenças para o estudo de problemas que envolvessem a dinâmica de duas populações interagentes a partir do estudo e compreensão dos conceitos matemáticos envolvidos na construção de um modelo para uma única espécie. Em um primeiro momento, a pesquisa se concentrou no estudo das bibliografias básicas para a obtenção de conceitos e resultados fundamentais de equações a diferenças, bem como as suas aplicações em dinâmica populacional. Em seguida, foram construídas simulações nos softwares matemáticos Mathematica e Scilab para a obtenção de soluções numéricas de equações a diferenças lineares e não lineares, além de suas representações gráficas. Na sequência, utilizando-se de tudo que foi aprendido e construído nas duas etapas anteriores, foram explorados três modelos específicos: mapa logístico, modelo de Ricker e modelo de Beverton-Holt (RICKER, 1954; ALLEN, 2007). Por fim, estamos desenvolvendo um sistema de equações a diferenças para o estudo de um modelo matemático de duas espécies que interagem (predador-presa). Uma vez que a pesquisa está em andamento, o presente trabalho tem como objetivo apresentar os resultados parciais do projeto, principalmente no que diz respeito à formulação de modelos que consideram o tempo discreto e comparação entre duas dinâmicas populacionais clássicas: o crescimento geométrico e o mapa logístico.
O crescimento geométrico (correspondente ao modelo de Malthus para equações diferenciais) considera o fator de crescimento constante, de modo que a população na geração n+1 é proporcional à população na geração n. Quando o fator de crescimento é maior que 1, a população cresce exponencialmente. Este modelo, no entanto, só apresenta resultados significativos para pequenos intervalos de tempo, pois o crescimento exponencial não é viável devido às limitações de alimento e espaço que o meio possui, mas pode ser utilizado para justificar o estágio inicial de crescimento de certas bactérias, por exemplo.
Por sua vez, o mapa logístico (correspondente à equação logística para modelos contínuos) considera o crescimento per-capita dependente da densidade populacional, a qual decresce linearmente à medida que a população aumenta. Este ajuste no fator de crescimento incorpora à formulação matemática um limitante na população, chamado de capacidade de suporte. Dependendo da escolha dos parâmetros, o mapa logístico pode exibir comportamentos não observados na equação logística para equações diferenciais, como ciclos de período múltiplo de 2, além de comportamento caótico. A construção de um diagrama de bifurcação é adequado para observar o comportamento assintótico das soluções de equilíbrio para um parâmetro de interesse.