Última alteração: 17-12-2024
Resumo
A agricultura familiar desempenha um papel crucial na segurança alimentar e no desenvolvimento sustentável das regiões rurais do Brasil, mas enfrenta dificuldades relacionadas ao acesso à informação técnica, baixa escolaridade dos agricultores, escassez de planejamento e dificuldades de comercialização (SCHNEIDER, 2016). Quando nos referimos à agricultura familiar dos assentamentos da reforma agrária, os desafios são ainda maiores já que a falta de políticas públicas contínuas e estruturantes de assistência técnica e a limitação de recursos nos últimos anos agravaram as condições de desenvolvimento em muitos desses territórios (H ISSA, 2020). Dado esse contexto, o presente trabalho relata a experiência do "Programa de Formação em ATER para Assentamentos de Reforma Agrária: contribuições para Agenda 2030" (PROFOR-EXT), desenvolvido pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS) - Campus Sertão. O projeto tem como foco a promoção de uma assistência técnica e extensão rural (ATER) dialógica, inclusiva e democrática.
Nesse cenário, o projeto busca promover a inclusão social e fortalecer a produção e a melhoria na geração de renda nos assentamentos, articulando a prática extensionista com a formação técnica e cidadã dos agricultores.
Metodologia
A atuação do projeto abrange assentamentos da reforma agrária federais e foi concentrada em quatro assentamentos do Norte do Rio Grande do Sul: Dom Orlando Dotti (Esmeralda - 143 famílias), Seguidores de Natalino (Ibiaçá - 23 famílias), Três Pinheiros (Sananduva - 64 famílias), e Bom Recreio (Passo Fundo - 37 famílias).
Para a condução deste projeto foi utilizado um conjunto de ações participativas e educativas, centradas na promoção do diálogo e no levantamento das reais demandas dos assentados. As atividades foram iniciadas com reuniões entre os principais atores envolvidos, incluindo a Cooperativa Central dos Assentamentos do Rio Grande do Sul (COCEARS), representantes do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e líderes dos assentamentos. Nessas reuniões, foram definidos os assentamentos e selecionados 10 jovens agricultores familiares denominados de Agentes Locais de Formação (ALFs) para atuarem como atores de transformação de seus territórios.
O primeiro passo prático do projeto foi a aplicação do Diagnóstico Rural Participativo (DRP) nos quatro assentamentos, em que participaram 202 famílias. Essa ferramenta foi escolhida por sua capacidade de identificar as principais demandas das comunidades de forma colaborativa e dialogada (SOUZA, 2009). Através das entrevistas, grupos focais e mapeamentos das propriedades, foi possível traçar um panorama das condições de vida e das necessidades prioritárias das famílias assentadas (VERDEJO, 2003).
Resultados e Discussão
O projeto integra 16 instituições de ensino, que possuem como objetivo geral o mesmo, para obtenção desse, cada instituição realizou um planejamento específico, sendo que há um delineamento em comum, esse é realizado através de reuniões quinzenais com a equipe técnica de cada projeto e, também, encontros em dois eventos “nacionais”, para compartilhar experiências dos projetos e interagir as equipes técnicas e os ALFs.
Os resultados desse diagnóstico apontaram para deficiências críticas em saneamento básico, abastecimento de água, infraestrutura produtiva e apoio técnico. Problemas como a baixa escolaridade, dificuldades de comercialização e a perda do sentido comunitário dos assentamentos também foram identificados.
Nesse projeto, a partir do DRP foi estruturado dois eixos de ações: (1) capacitações específicas para os ALFs e (2) assistência técnica regular e personalizada às propriedades. O primeiro eixo de atuação envolveu a realização de cursos e capacitações voltadas para as demandas identificadas no DRP. As formações estão organizadas em uma por mês, de 16h de duração cada, em que os ALFs se deslocam até o IFRS Campus Sertão, realizando as formações teóricas e práticas. Foram ministrados os cursos: a) produção animal estruturada em pastagem, em que os ALFs foram capacitados a implementar técnicas de rotação de pastagens, tipos de espécies forrageiras para sua região, otimização do uso de forrageiras e manejo de solo, visando aumentar a produtividade de suas propriedades sem comprometer os recursos naturais. Esse curso foi essencial para agricultores que dependem da pecuária como principal atividade econômica; b) processamento de alimentos da agricultura familiar, com foco na agregação de valor aos produtos cultivados nas propriedades. Essa formação destacou a importância da diversificação da produção e da transformação de matérias-primas em produtos finais que poderiam ser comercializados, como conservas, compotas e derivados de frutas e hortaliças; c) nutrição de bovinos que veio para atender a demanda da baixa produção de leite e carne, dada a relevância da bovinocultura de corte e leiteira nas propriedades dos assentados; d) produção e manejo de pomares, que incluiu tanto aspectos técnicos da implantação, preparo da área a escolha de variedades, manejo integrado de pragas e práticas de cultivo.
Essas formações tiveram como objetivo fornecer subsídios teóricos e práticos para que os ALFs pudessem atuar como multiplicadores de conhecimento em suas comunidades. Cada curso incluiu atividades práticas, nas quais os ALFs eram incentivados a realizar diagnósticos detalhados das propriedades locais e compartilhar os conhecimentos adquiridos com outros membros da comunidade. Isso estimulou o engajamento comunitário e promoveu a aplicação dos conhecimentos em um contexto real.
O segundo eixo consistiu na promoção de visitas semanais aos assentamentos, com o objetivo de acompanhar as ações desenvolvidas pelos ALFs e fornecer assistência técnica in loco. Essas visitas foram realizadas por um bolsista recém-formado, acompanhado por especialistas, supervisores e bolsistas do IFRS, quando possível. O acompanhamento contínuo das atividades foi essencial para garantir que as práticas e os conhecimentos adquiridos durante as capacitações fossem efetivamente implementados nas propriedades. Além disso, as visitas técnicas permitiram que demandas específicas fossem atendidas de forma ágil.
Os resultados obtidos ao longo do projeto indicam que, apesar das dificuldades estruturais e sociais encontradas nos assentamentos, houve avanços importantes em termos de organização produtiva e empoderamento dos agricultores familiares. As capacitações possibilitaram o desenvolvimento de novas práticas produtivas, que aumentaram a eficiência da produção e a sustentabilidade das atividades agrícolas. Além disso, o projeto promoveu o resgate do sentido de comunidade em alguns assentamentos, favorecendo o trabalho coletivo e a cooperação entre os agricultores.
Por outro lado, salienta-se que o projeto enfrentou desafios ao longo de sua execução. A comunicação com o INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), responsável pela gestão dos assentamentos, foi uma dificuldade, atrasando a definição das áreas de atuação e dos assentamentos participantes. Outro obstáculo foi a participação dos bolsistas do campus, uma vez que os alunos de cursos integrais enfrentaram dificuldades em cumprir a carga horária exigida pelo projeto (20 horas semanais). Como comentado, o projeto integra-se a uma rede de instituições, tendo uma coordenação geral e uma fundação, e tivemos também problemas nas conduções de atividades, pois os fluxos foram criados durante a execução do projeto, isso de ordem financeira e, técnica. Outro ponto são os ALFs, relativo ao comprometimento de tempo, devido à necessidade de conciliar o trabalho fora das propriedades com as atividades do projeto e, seu deslocamento até o IFRS, pois os assentamentos não são próximos as cidades (exceto o Bom Recreio), e, estas cidades não são trajetos de ônibus. Ainda foi observada baixa participação da comunidade nas atividades realizadas in loco, além da perda do conceito inicial dos assentamentos de comunidades unidas, com práticas de ajuda mútua.
Considerações finais
O PROFOR-EXT demonstrou que, apesar das dificuldades enfrentadas, é possível promover transformações nas comunidades assentadas através de ações de ATER participativas e dialógicas. O do Diagnóstico Rural Participativo foi uma ferramenta fundamental para identificar as demandas locais e orientar as ações do projeto. As capacitações e a assistência técnica proporcionaram avanços em termos de organização produtiva, planejamento das propriedades e empoderamento dos agricultores. No entanto, o projeto também revelou a importância de superar desafios estruturais e sociais, como a comunicação entre os diversos agentes envolvidos e o resgate do espírito comunitário nos assentamentos.
O PROFOR-Ext no IFRS Campus Sertão continuará com suas atividades até janeiro de 2025, seguindo o mesmo padrão metodológico adotado até o momento. Portanto, continuarão sendo ofertados cursos e capacitações, bem como atividades de campo e ATER semanais nos assentamentos. Os próximos cursos planejados terão as seguintes temáticas: gestão de propriedades rurais; controle de custos de produção; políticas de comercialização em mercados institucionais; estratégias de comercialização; agregação de valor em produtos da agricultura familiar, processamento e comercialização de frutas. Para as capacitações ofertadas continuarão sendo cobrados retornos dos ALFs no compartilhamento do conhecimento com a comunidade.