Última alteração: 28-12-2024
Resumo
Pensar o meio-ambiente através da arte nos permite refletir acerca das nossas interações com os elementos que o compõem e que nos atravessam sensorial e afetivamente. Dessa forma, a presente pesquisa objetiva identificar representações sonoras de paisagens naturais e urbanas em ensaios audiovisuais, cuja disposição sígnica propõe reflexões acerca da relação entre homem e natureza. A metodologia utilizada baseia-se na análise conceitual da sonoridade aliada à narrativa dos filmes La Jetée, de Chris Marker, lançado em 1962; Truth Through The Mass Individuation, de Bill Viola, lançado em 1976; e O Último Retrato, de Arthur Tuoto, lançado em 2016. Durante nossa análise, notamos que além das particularidades estilísticas de cada artista, as diferenciações estéticas dos ensaios são conferidas pelo contexto histórico-tecnológico das produções e de seus suportes midiáticos: a película cinematográfica, o vídeo analógico e o vídeo digital, respectivamente. Apesar do significativo salto temporal e do contraste estético entre os ensaios analisados, todos apresentam em seu conteúdo narrativas que tensionam discussões sobre os impactos da ação humana na natureza e seus desdobramentos em crises ecológicas e psicossociais. Ainda, a quebra de convenções cinematográficas efetivada através da montagem sonora propõe novas formas de representação dos espaços, ressoando o conceito de paisagem sonora proposto por Murray Schafer, que sugere a adoção de uma percepção crítica em relação aos sons que nos cercam. Observamos em La Jetée o uso de imagens fixas para a composição quase integral da obra, sendo atribuída à trilha sonora o encargo da evocação de ambiência e da sensação de movimento pelo ênfase na sonoplastia e nos sons ambientes. Em Truth Through The Mass Individuation, a dinâmica entre som e imagem, os quais são manipulados na montagem com técnicas de time-lapse, câmera lenta e sobreposição, atua como dispositivo fundamental para a compreensão dos ambientes apresentados no vídeo-ensaio de Viola. Arthur Tuoto, em O Último Retrato, emprega o silenciamento da paisagem sonora urbana como recurso representativo da alienação social da protagonista: nos planos em que a cidade é retratada, no lugar dos sons dos automóveis e do burburinho de pedestres, ouvimos uma trilha musical eletrônica com notas graves e pouca variação tonal, representando a inadequação da personagem naquele ambiente. Aliado à paisagem sonora, o conceito de Antropoceno nos convida a questionarmos nossos modos de ser e estar no mundo ao sugerir a ideia de uma suposta nova era geológica em vigor, caracterizada pelo colapso ambiental decorrente da intervenção humana na natureza. Dessa forma, ainda que algumas das obras analisadas antecedam a popularização dos conceitos apresentados, concluímos que a arte possui um papel fundamental na transformação de hábitos perceptivos através da produção de semioses afetivas, abrindo novos caminhos para a conscientização ambiental.