Última alteração: 17-12-2024
Resumo
Metais são essenciais na construção de equipamentos industriais devido às suas propriedades únicas, como maleabilidade, ductilidade, resistência mecânica e soldabilidade. No entanto, eles podem perder elétrons e se transformar em cátions, alguns dos quais podem representar riscos de toxicidade ao entrarem em contato com o corpo humano (KOO et al., 2020). A migração de íons metálicos é considerada o principal risco à segurança quando esses metais entram em contato com alimentos (ZHANG et al., 2022).
Este artigo discute uma liga metálica relativamente nova, patenteada em 1995 (TALONEN; KODUKULA; TAULAVUORI, 2015), que está sendo usada na indústria alimentícia. Em 2009, Charles (CHARLES et al., 2009) realizou um estudo abrangente sobre essa liga, mas ele não abordou a liberação de íons e sua toxicidade. Foi relatado por Charles e reforçado por Chu et al. (CHU et al., 2021) que a nova liga não atende aos padrões técnicos internacionais. Atualmente, existe uma lacuna evidente nas publicações sobre essa liga, especialmente quanto aos riscos de sua aplicação na indústria alimentícia. Embora essa nova liga ainda não esteja regulamentada por normas técnicas, há indícios de seu uso em contato com alimentos, mas será que isso é seguro? Nesse sentido esse trabalho tem como objetivo realizar uma revisão detalhada da literatura, buscando informações sobre a segurança do uso desse novo aço em contato com alimentos, incluindo aspectos como toxicidade, resistência à corrosão e normatização.
A literatura atual apresenta uma significativa heterogeneidade de termos para designar esse novo tipo de aço inoxidável, tornando complexa a busca e filtragem de artigos de pesquisa. Alguns exemplos: aço inoxidável austenítico de baixo níquel. Novos aços da série 200. Novo aço modificado do tipo 201 com baixo teor de níquel. A partir de agora, adotaremos o termo "aço inoxidável de baixo níquel".
2 METODOLOGIA: REVISÃO DA LITERATURA
Para avaliar a segurança do uso do aço inoxidável de baixo níquel na indústria alimentícia, foi conduzida uma pesquisa bibliográfica detalhada, conforme ilustrado esquematicamente na Figura 1. Além disso, referências de diversas fontes, incluindo a expertise dos autores, foram integradas quando relevantes. Os termos de busca continham 'aço inoxidável' em combinação com termos relevantes para a indústria alimentícia. Os critérios de seleção das publicações foram elaborados, priorizando sua relevância para o tema central, com ênfase particular em elucidar fenômenos, propriedades e informações pertinentes à indústria alimentícia.
Figura 1: Metodologia para conduzir a revisão da literatura e selecionar critérios para analisar e discutir artigos.
Fonte: O autor, 2024
3 RESULTADOS3.1 METAIS ADEQUADOS PARA USO NA INDÚSTRIA ALIMENTÍCIA
Alumínio, estanho, cobre, titânio e principalmente aço inoxidável são amplamente utilizados na indústria alimentícia para a fabricação de equipamentos e máquinas de processamento, produção, armazenamento e transporte. Os principais aços inoxidáveis presentes na indústria de processamento de alimentos são o AISI 304 e o AISI 316, mas outros aços inoxidáveis também podem ser utilizados (VALDEZ et al., 2012). Cada país ou região do mundo determina diretrizes técnicas para garantir a segurança de materiais que entram em contato direto com alimentos.
Nos Estados Unidos, a National Sanitation Foundation (NSF) em conjunto com o The American National Standards Institute (ANSI) estabelece os requisitos mínimos para materiais usados em equipamentos alimentícios. De acordo com as certificações, os aços inoxidáveis pertencentes às séries 2xx, 3xx e 4xx podem ser empregados em contato com alimentos, se seu teor de cromo exceder 16% (“NSF 1997”, 1997).
No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) estabelece uma lista positiva de materiais que podem ser utilizados em contato com alimentos. Não foram encontradas informações explicando como esta lista foi definida (ANVISA, 2024).
Na Europa, o Conselho da Europa (COE) criou um protocolo, que os materiais são testados por imersão na presença de ácido cítrico ou água artificial da torneira seguindo a norma técnica DIN 10531 (COUNCIL OF EUROPE, 2020). Com base nessa regra, alguns estudos indicam quais metais são adequados para uso em contato com alimentos (DALIPI et al., 2016; MAZINANIAN et al., 2016). A Tabela 1 mostra os tipos de aços inoxidáveis adequados para uso esse uso, de acordo com diferentes agências reguladoras nacionais.
Tabela 1 – Aços inoxidáveis adequados para uso em contato com alimentos de acordo com diferentes agências reguladoras nacionais.
Agência reguladore
Contato alimentício
Adequado
Não adequado
ANVISA/Brasil
AISI 201, 202, 301, 302, 303, 303 Se, 304, 304 L, 305, 308, 316, 316 L, 321, 347, 410, 416, 420, 430, 430 F, 431, 439, 444.
Apresenta apenas os metais permitidos.
FDA/USA
aços inoxidáveis das séries 2xx, 3xx e 4xx podem ser utilizados em aplicações de contato com alimentos, desde que seu teor de cromo exceda 16%
Apresenta apenas os metais permitidos.
COE/Europe
Aços inoxidáveis AISI 201, 202, 204, 303, 304, 316, 430.
Aço inoxidável AISI 420.
Fonte: O autor, 2024.
3.2 TOXIDADE DOS METAIS
A toxicidade dos íons metálicos em humanos foi amplamente revisada e tem um impacto direto na saúde. Enquanto alguns são essenciais para as funções do corpo, outros podem levar a sérios problemas de saúde. Focando no aço inoxidável com baixo teor de níquel, serão abordados os íons potenciais que podem surgir deste metal. Suas possíveis consequências para a saúde humana incluem efeitos carcinogênicos, distúrbios cutâneos, hepáticos, renais, reprodutivos, cardiovasculares e neurológicos, além de diabetes e problemas respiratórios (BALALI-MOOD et al., 2021; FU; XI, 2020; KAUR et al., 2024).
Não foram encontrados dados sobre a segurança do aço inoxidável com baixo teor de níquel, então foram buscados estudos sobre outros tipos de aço inoxidável. De acordo com Zhang et al. (ZHANG et al., 2022), presume-se que 3 kg de alimentos possam ser consumidos diariamente em contato repetido com vários produtos de aço inoxidável.
Da mesma forma, Yang et al. (YANG et al., 2022) analisaram 105 produtos de acordo com os padrões da China e o guia do Conselho da Europa (CoE). Alguns deles excederam os limites específicos de liberação de As, Cd, Pb, Al, V, Cr, Mn, Fe, Co, Ni estipulados pelo CoE. Em outro estudo, Santamaria et al. (SANTAMARIA; TRANCHIDA; DI FRANCO, 2020) analisaram a imersão dos aços inoxidáveis 304L, 316L e duplex em um eletrólito de alimento gorduroso, detectando íons de cromo, níquel, manganês e molibdênio na solução.
Mazinanian et al.(MAZINANIAN et al., 2016) Dalipi et al. (DALIPI et al., 2016) estudaram vários tipos de aço inoxidável padrão usados na indústria alimentícia (AISI 201, AISI 301, AISI 303, AISI 304 e AISI 316), que se mostraram seguros para aplicações alimentares, sem apresentar riscos à saúde humana.
3.3 PROPRIEDADES CORROSIVAS
O aço inoxidável é uma das melhores opções para a indústria alimentícia prevenir danos aos equipamentos e contaminação dos alimentos. Embora geralmente demonstre boa resistência à corrosão em diversos ambientes agressivos, pode se degradar quando exposto a certas substâncias encontradas na indústria alimentícia (PATEL AD, 2015)
Os alimentos consistem principalmente em proteínas, carboidratos e gorduras. Alimentos processados contêm diversas soluções aquosas, xaropes e aditivos, utilizados para melhorar a aparência, qualidade e conservação dos alimentos. Eles possuem variações de pH, além de conteúdo de sal, água e vinagre, que impactam a corrosividade dos metais que entram em contato (VALDEZ et al., 2012).
Na indústria alimentícia, a possível corrosão dos equipamentos promovida pela presença de microrganismos, conhecida como corrosão influenciada microbiologicamente, é uma preocupação. Por essa razão, etapas adequadas de limpeza e desinfecção são necessárias para garantir a devida higiene no produto final (LITTLE; HINKS; BLACKWOOD, 2020).
Diversos agentes de limpeza são usados para eliminar microrganismos, incrustações, e minerais corrosivos. Eles incluem produtos químicos alcalinos, ácidos, agentes oxidantes ou redutores fortes ou fracos. Essa grande variedade de ambientes corrosivos e agentes químicos agressivos requer o uso de ligas resistentes à corrosão (VALDEZ et al., 2012).
O aço inoxidável austenítico com baixo teor de níquel não apresenta o mesmo desempenho que o aço inoxidável austenítico padrão AISI 304. Ele exibe uma resistência significativamente menor à corrosão, incluindo corrosão geral, corrosão por pites, corrosão por frestas, corrosão sob tensão e corrosão intergranular (CHARLES, 2007). Testes comparativos demonstraram que o aço inoxidável austenítico com baixo teor de níquel teve o pior desempenho em contato com íons de cloreto (NaClO 2,5%) (APERAM, 2023).
De fato, a ocorrência de fenômenos de corrosão pode comprometer não apenas a qualidade dos alimentos, devido à contaminação e à alteração das propriedades organolépticas, mas também a integridade dos equipamentos de processamento, com possíveis paralisações e consequente efeito prejudicial na taxa de produção (ZAFFORA; DI FRANCO; SANTAMARIA, 2021).
4 CONCLUSÕES
Este artigo apresenta as principais propriedades do aço inoxidável austenítico com baixo teor de níquel, com o objetivo de avaliar a segurança de seu uso na indústria alimentícia. A revisão realizada indica que este tipo de aço não é seguro para aplicação nesse setor, devido à sua baixa resistência à corrosão e ao risco de liberação de íons tóxicos.
No entanto, devido ao aumento do uso desse aço na indústria de alimentos, torna-se essencial conduzir estudos que avaliem os riscos da sua exposição em contato com alimentos. O protocolo de segurança alimentar mais amplamente aceito para essa finalidade é o do COE. Como passos futuros, os autores deste trabalho estão desenvolvendo um estudo para avaliar a liberação de íons do aço inoxidável austenítico com baixo teor de níquel em meios especificados pelo protocolo do COE, que simulem ambientes alimentícios. Os testes laboratoriais estão em andamento.
5 REFERÊNCIAS
ANVISA. RDC No 854, DE 4 DE ABRIL DE 2024. Brazil, 4 abr. 2024. Disponível em: <https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/>
APERAM. Comparativo Inox 430 x Inox 410. Disponível em: <https://abinox.org.br/wp-content/uploads/2024/01/4-Comparativo-Inox-430-X-Inox-410-Ensaio-Imersao-em-Hipoclorito-de-sodio.pdf>. Acesso em: 19 jun. 2024.
ATAPOUR, M. et al. Metal release from stainless steel 316L in whey protein - And simulated milk solutions under static and stirring conditions. Food Control, v. 101, p. 163–172, 1 jul. 2019.
BALALI-MOOD, M. et al. Toxic Mechanisms of Five Heavy Metals: Mercury, Lead, Chromium, Cadmium, and Arsenic. Frontiers in PharmacologyFrontiers Media S.A., , 13 abr. 2021.
CHARLES, J. The new 200-series: An alternative answer to Ni surcharge? Risks or opportunities? Revue De Metallurgie-cahiers D Informations Techniques - REV METALL-CAH INF TECH, v. 104, p. 308–317, 1 jun. 2007.
CHARLES, J. et al. A new European 200 series standard to substitute 304 austenitics. Revue de Metallurgie. Cahiers D’Informations Techniques, v. 106, n. 2, p. 90–98, 2009.
CHU, K. H. et al. Chloride stress corrosion cracking of a non-standard, ‘Borderline’ Chromium-Manganese stainless steel – Problems of counterfeits and substandard materials. Engineering Failure Analysis, v. 127, 1 set. 2021.
COUNCIL OF EUROPE. Resolution CM/Res(2020)9 on the safety and quality of materials and articles for contact with food. , 7 out. 2020. Disponível em: <www.coe.int/cm>
DALIPI, R. et al. Study of metal release from stainless steels in simulated food contact by means of total reflection X-ray fluorescence. Journal of Food Engineering, v. 173, p. 85–91, 1 mar. 2016.
FU, Z.; XI, S. The effects of heavy metals on human metabolism. Toxicology Mechanisms and MethodsTaylor and Francis Ltd, , 23 mar. 2020.
KAUR, R. et al. Understanding arsenic toxicity: Implications for environmental exposure and human health. Journal of Hazardous Materials Letters, v. 5, 1 nov. 2024.
KOO, Y. J. et al. Determination of toxic metal release from metallic kitchen utensils and their health risks. Food and Chemical Toxicology, v. 145, 1 nov. 2020.
LITTLE, B. J.; HINKS, J.; BLACKWOOD, D. J. Microbially influenced corrosion: Towards an interdisciplinary perspective on mechanisms. International Biodeterioration and Biodegradation, v. 154, 1 out. 2020.
MAZINANIAN, N. et al. Metal release and corrosion resistance of different stainless steel grades in simulated food contact. Corrosion, v. 72, n. 6, p. 775–790, 1 jun. 2016.
NSF 1997. ANSI/NSF 51–1997, 1997. Disponível em: <chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://fathommfg.com/wp-content/uploads/pdf/nsf51-97.pdf>. Acesso em: 18 jun. 2024
PATEL AD, D. A. Stainless Steel for Dairy and Food Industry: A Review. Journal of Material Science & Engineering, v. 04, n. 05, 2015.
SANTAMARIA, M.; TRANCHIDA, G.; DI FRANCO, F. Corrosion resistance of passive films on different stainless steel grades in food and beverage industry. Corrosion Science, v. 173, 15 ago. 2020.
TALONEN, J.; KODUKULA, S.; TAULAVUORI, T. LOW-NICKELAUSTENITIC STAINLESS STEEL. . United States, 26 maio 2015.
VALDEZ, B. et al. Corrosion in the Food Industry and Its Control. Em: Food Industrial Processes - Methods and Equipment. [s.l.] InTech, 2012.
YANG, D. et al. Comparison of the test conditions of China and the Council of Europe on the release levels of metals from stainless-steel products from the Chinese market. Food Packaging and Shelf Life, v. 33, 1 set. 2022.
ZAFFORA, A.; DI FRANCO, F.; SANTAMARIA, M. Corrosion of stainless steel in food and pharmaceutical industry. Current Opinion in ElectrochemistryElsevier B.V., , 1 out. 2021.
ZHANG, H. et al. Study of Migration and Safety Assessment of Manganese (Mn) from Food Contact Stainless-Steel Products in China. Biomedical and Environmental SciencesElsevier Ltd, , 1 abr. 2022.