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“O branco precisa estar com 80% a mais de maconha do que o preto para ser considerado traficante”: o fundamento eugenista criminalização da maconha no Brasil
Adam Collin Silva Da Costa, Miguel da Camino Perez, Getúlio Sangalli Reale

Última alteração: 22-12-2023

Resumo


Jovens pretos e pardos com baixa instrução são presos como traficantes pelo porte de quantidades muito menores de drogas do que pessoas brancas, de meia idade e com níveis elevados de instrução no Brasil. Em seu voto sobre a descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal no Supremo Tribunal Federal, o Ministro Alexandre de Moraes afirmou que o branco precisa estar com 80% a mais de maconha do que o preto e pardo para ser considerado traficante, com base em um estudo de jurimetria envolvendo mais de 2,5 milhões de pessoas. Nossa pesquisa questiona: quais são os fundamentos dessa disparidade? Investigar este problema é relevante pois pessoas inocentes são presas injustamente, gerando, além de violência direta, o encarceramento em massa que coloca jovens pretos na escola do crime organizado. Nosso objetivo é apresentar as origens históricas da formação desse sistema penal seletivo como forma de fundamentar a mudança social. Realizamos a análise de discurso de textos do livro "Maconha: coletânea de trabalhos brasileiros," publicado em 1958, contendo textos dos principais agentes do processo de criminalização da Cannabis no Brasil, na primeira metade do século XX. Identificamos que as raízes desse problema remontam à chegada da família imperial ao Brasil e a preocupação desta com a imensa população de escravos negros, especialmente após a abolição da escravatura em 1888. Isso levou à criação da Guarda Real de Polícia, que deu origem à Polícia Militar, cuja função era reprimir a população negra e periférica. Em paralelo, o discurso de criminalização da maconha foi promovido pelo Movimento Eugênico, que abertamente buscava “melhorar” e “civilizar a raça” por meio de uma aproximação às características do povo europeu, sustentado por um discurso cientificista. Para o médico, político e diplomata Rodrigues Dória, principal liderança no processo de criminalização da maconha, por exemplo, o uso da maconha era uma prova do caráter selvagem e criminoso das pessoas negras. A planta por vezes era tratada como causa e por vezes como consequência da degeneração, inferioridade e selvageria da “raça preta”. Essas afirmações não são fundadas em métodos de pesquisa claros, confiáveis e passíveis de validação. As ideias são embasadas em noções de senso comum e em casos repassados via oral por terceiros, sem qualquer controle de coleta ou amostragem. Os poucos estudos baseados na produção de dados primários, abertamente declaram que os “observados pertenciam em sua totalidade a classes pobres”. Concluímos que a ideologia eugenista permeou os trabalhos pseudo-científicos que fundamentam a criminalização e as políticas públicas derivadas. O viés racista das práticas penais sobre drogas no Brasil atual não são mero acaso, mas o desdobramento de uma política eugenista de fundamento colonial que opera hoje em dia sob a ideologia da “guerra às drogas”.


Palavras-chave


Maconha; Eugenia; Criminalização

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