Última alteração: 22-12-2023
Resumo
Antes restrita a uma dinâmica que ignorava sua existência, a autoria negra gaúcha vem ocupando espaços através de um movimento crescente de publicações. Além de romper com essa parede da invisibilidade, a produção literária contemporânea de autoria negra gaúcha procura transpor a estereotipia que dominou, de maneira quase majoritária, a representação do corpo negro nas letras, principalmente da figura feminina, duplamente marcada. A fim de dar visibilidade a esses discursos e transformar as comunidades negras em sujeitos de sua própria História, este trabalho analisa o protagonismo de personagens femininas negras nestas obras: Estela sem Deus (2018), de Jeferson Tenório; A cor da esperança (2019), de Renato Dornelles; A manipulação das ostras (2020), de Luiz Maurício Azevedo; e Século XIX, Uma história recuperada (2012), de Maria do Carmo Santos. A análise desse corpus literário objetiva verificar como esse protagonismo feminino negro é representado: Que problemáticas envolvem essa personagem? Há marcações etnico-raciais? Quais espaços físicos e sociais as personagens circulam e/ou ocupam? A partir de uma perspectiva metodológica qualitativa, ancorada nas teorias pós-coloniais e nos estudos culturais, as análises procuram identificar, observar, compreender e descrever os fenômenos e as representações culturais presentes nessas obras, refletindo criticamente sobre o protagonismo das personagens femininas. A partir de marcas muito características da literatura gaúcha do passado, foi possível encontrar modificações sensíveis nas produções mais atuais, de forma que os espaços, personagens e tramas, mesmo tocados pelo racismo de alguma maneira, apresentam-se com uma nova roupagem, dando aos indivíduos negros uma personificação que não existia. Entre os aspectos analisados, identifica-se um movimento que busca dar voz a personagens femininas, rompendo assim com um imaginário nacional que parece ignorar a existência de mulheres negras no Rio Grande do Sul. Contudo, essa presença ainda é diminuta, principalmente entre os autores, como mostra o corpus analisado. Os literatos negros gaúchos da atualidade buscam desenvolver novos recursos expressivos, nos quais as subjetividades das personagens são delineadas, suas humanidades expressas e a complexidade de suas naturezas são expostas, revelando o existir/resistir do corpo negro feminino. Assim, verifica-se que tais obras fogem dos modelos de representação estabelecidos por autoria não negra, demonstrando que o racismo, além de desigualdades materiais, produz marcas psicológicas e outras interseccionalidades profundas.