Última alteração: 22-12-2023
Resumo
A problemática compreensão do perdão como impunidade:
Uma análise a partir do Seminario Internacional Políticas de la Memoria[1]
Giovane Rodrigues Jardim[2]
Orientadora: Renata Ovenhausen Albernaz[3]*
Palavras-Chave: Anistia Política; Política Pública de Memória; Perdão em âmbito público.
INTRODUÇÃO
A dialética negativa tem possibilitado pensar o não lugar para a temática do perdão nas políticas públicas de memória no Cone Sul, sobretudo no questionamento da associação conceitual entre perdão e impunidade. Propõe-se nesta investigação uma análise dos trabalhos publicados no Seminario Internacional Políticas de la Memoria (SIPM) no período 2008 a 2022, evento este promovido pelo Centro Cultural de la Memoria Haroldo Conti, na Cidade Autônoma de Buenos Aires, Argentina. A presente comunicação apresenta parte da pesquisa de tese intitulado O perdão em âmbito público: como horizonte para a ação e um futuro para a memória, desenvolvido no Programa de Pós-Graduação em Memória Social e Patrimônio Cultural da Universidade Federal de Pelotas (UFPel).
METODOLOGIA
A pesquisa se insere no contexto dos estudos qualitativos que propõem não quantificar as reivindicações pelo perdão no SIPM, mas um delineamento desse conceito que possibilite uma análise qualitativa dos seus usos e significados. Essa fase da pesquisa foi antecedida por uma análise do perdão nos museus de/da memória (s) no Cone Sul, e de uma pesquisa bibliográfica sobre o perdão na Filosofia Política Contemporânea, de forma que a análise desses trabalhos deve possibilitar um estudo comparativo. São utilizadas como fontes desta pesquisa as Actas da primeira e segunda edição, referente aos anos de 2008 e 2009, as Ponencias publicadas nas edições de 2010 a 2022, e as Convocatorias com a programação de mesas temáticas, o título dos trabalhos inscritos, dentre outras informações. Propõe-se uma abordagem dialética negativa (ADORNO, 2009), como uma metodológica para a abordagem do não idêntico, como objetivo de compreender o não lugar para a temática do perdão nas políticas públicas de memória no Cone Sul.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
No período analisado, foram realizadas no SIPM ao menos 434 mesas temáticas, e nessas, foram apresentados 4097 trabalhos. Importa destacar que nem todos os trabalhos estão publicados na página oficial do evento no item Ponencias, o que impossibilita sua análise detalhada. Assim, foi possível analisar o título de todos os trabalhos aceitos para a apresentação, mas somente 2242 textos publicados. A tabela 1 apresenta o detalhamento dessa análise, como segue:
Tabela 1: Levantamento da temática do perdão e da anistia
Busca e análise pelas palavras: perdão/perdoar, e anistia
Total
Analisados
Edição
13º
12º
11º
10ª
9º
8º
7º
6º
5º
4º
3º
2º
1ª
13
Ano
2022
2019
2018
2017
2016
2015
2014
2013
2012
2011
2010
2009
2008
14
Apresentações
Mesas Temáticas
61
40
44
34
35
23
25
21
44
29
46
13
19
434
Trabalhos na Programação
721
417
403
326
333
239
248
229
421
283
356
54
67
4097
Textos
Publicados
266
158
176
168
104
141
176
162
255
193
322
54
67
2242
Título dos trabalhos
Perdão
1
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
1
Perdoar
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
1
0
0
1
Anistia*
1
0
1
0
1
1
0
0
0
0
0
0
1
5
Texto dos trabalhos
Perdão/
perdoar
26
15
23
14
12
24
11
36
30
25
22
3
6
247
Anistia*
19
10
21
8
14
18
4
30
15
11
12
2
9
172
*Não inclui as referências a organização Anistia Internacional.
Fonte: Elaborado pelo autor (2023)
A pouca presença nos títulos faz questionar sobre um não lugar do perdão, a não tematização da questão, sobretudo se consideramos o título como um metatexto que faz referência, e que de certa forma resume e apresenta o texto. Entretanto, ao adentrarmos os textos publicados a questão se modifica um pouco, ao passo que ao menos em 11% dos trabalhos publicados contém as palavras perdão/perdoar, e 7,6% a palavra anistia. Para o presente delineamento, importa destacar que a problemática do perdão e/ou a da anistia está presente em ao menos 18,6% dos trabalhos publicados que, por sua vez, correspondem a 54,7% do total de trabalhos divulgados na programação.
Não anunciados no título e/ou nas palavras chaves, mas presentes em um significativo percentual dos trabalhos, importa questionar ao que esses termos se referem. Dessa forma, a tabela 2 sintetiza a análise dos termos perdão/perdoar, a saber:
Tabela 2: Análise dos termos perdão/perdoar
Perdão ou perdoar relacionado a:
Trabalhos
Perdão ou perdoar relacionado a:
Trabalhos
Perdão a si mesmo
1
Como orientação da ação
2
Pedido de perdão do ex-presidente Santos na Colômbia
6
Pedido de perdão ao povo argentino pelo presidente
16
Continuidade da culpa
2
Perdão ao exílio
1
Anistia no Brasil / Comissão de Anistia / Caravanas
17
Governo pede perdão ao rei pela independência
1
Justiça de transição
14
Leis de perdão/impunidade
37
"Não esquecemos, não perdoamos"
25
Não há futuro sem perdão / parar a violência / negar direitos
4
“Não esquecemos, não perdoamos, não nos reconciliamos”
4
Não pedido de perdão / pedido público / pedido dos Presos de Punta Peuco - Chile
11
O não perdoar como um problema / inimigo existencial / na Colômbia
8
Comissão da Verdade na África do Sul
5
Perdão a um agressor sexual
1
Perdão como Reconciliação
6
Perdão a Eichmann pela igreja
2
Museu de memória como perdão
1
Não perdoar como herança
1
Perdão religioso
10
Pedido de Perdão Político (Peru, Guatemala)
3
Perdão como política de esquecimento
6
Perdão a crimes contra a humanidade/ massacres indígenas
2
Perdão e esquecimento como reinvindicação da direita
1
Responsabilidade coletiva
6
Perdão mútuo
1
Reinvindicação advém dos perpetuadores
6
Referência a obra “Ni el Franco perdón de Dios”
5
Perdão versus direito a memória
1
Pedido de perdão em testemunhos
6
Não perdoar por não saber a verdade
1
Crimes Imperdoáveis
4
Em outros sentidos de linguagem
30
TOTAL:
247
Fonte: Elaborado pelo autor (2023)
Quanto as palavras perdão/perdoar, há uma associação com as diversas leis implementadas nos países do Cone Sul e que são consideradas como leis de impunidade jurídica, a consigna “não perdoamos”, e a própria anistia política. Mas é possível também depreender a utilização/presença da temática do perdão em um vasto campo das discussões sobre as políticas públicas de memória, como por exemplo, aos diversos pedidos de desculpas políticas. Assim, há tanto uma dimensão do perdão em âmbito pessoal, como também, da reivindicação e/ou recusa do perdão no âmbito público.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise dos trabalhos possibilita compreender que embora seus títulos não costumem fazer referência ao perdão/perdoar e/ou a anistia, essas discussões estão presentes. Possibilita ainda apontar ao menos três questões que nos interessam: 1) o uso indiscriminado do termo perdão/perdoar como esquecimento e impunidade; 2) o contraste entre a ênfase aos pedidos de perdão (desculpas políticas) e a afirmação “não perdoamos”; 3) o domínio da temática da anistia sobre as discussões sobre o perdão. Ademais, importa destacar que nenhuma mesa temática e/ou conferência, como também nenhuma atividade cultural e/ou exposição, apresentaram o perdão ou a anistia como temática no SIPM.
A temática do perdão, contudo, está presente e relacionada a temas fundamentais das políticas públicas de memória e da justiça de transição, sobretudo, nas discussões sobre o que é justiça e sua dimensão de vingança, e a questão da reconciliação. A análise dos trabalhos possibilita situar a importância desse evento como espaço para o diálogo democrático e para o compartilhamento de pesquisas e experiências, e estas, por sua vez, apontam-nos para questões consensuais e para problemáticas em conflitos. Dentre essas últimas, sejam as silenciadas e/ou as amplamente expostas, encontramos na problematização do perdão e de sua relação com a anistia, o contraste de experiências transicionais. E isso se evidência ao relacionarmos que a abordagem em torno do perdão como uma possibilidade advém, em sua maioria, de pesquisadores de fora do Cone Sul, sobretudo da Colômbia, e/ou de abordagens que possuem como referência o processo de transição da África do Sul. As leis de perdão/impunidade jurídica e sua contraposição no Cone Sul, por sua vez, ainda ofuscam o perdão como um horizonte possível e a reconciliação como um objetivo democrático nesses países.
REFERÊNCIAS
ADORNO, T. Dialética Negativa. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2009.
Centro Cultural de la Memoria Haroldo Conti. Seminario Internacional Políticas de la Memoria. Disponível em: http://conti.derhuman.jus.gov.ar/areas/agenda/actividades-v2.php?d=seminario-internacional-politicas-memoria. Acesso em: 08 de set. 2023.
[1] O presente trabalho está sendo realizado com o apoio do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS).
[2] Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Memória Social e Patrimônio Cultural da Universidade Federal de Pelotas; Docente do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS) - Campus Erechim.
[3]* Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS); Programa de Pós-Graduação em Memória Social e Patrimônio Cultural da Universidade Federal de Pelotas (PPGMP/UFPel).