Portal de Eventos do IFRS, 7º SALÃO DE PESQUISA, EXTENSÃO E ENSINO DO IFRS

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Literatura infantil: reflexões e contribuições para a construção da identidade da criança negra a partir da Lei nº10639/2003.
Andéa Cristiane Silveira da Rosa, Adriana Silvester Quadros

Última alteração: 21-11-2022

Resumo


Introdução: partindo de um momento conturbado, onde a intolerância aflora com tanta robustez acerca do racismo, não se percebe  a escola promovendo debates e reflexões na busca de promover a igualdade racial e social, aqui considerado , um dos principais canais para trazer a luz a história e cultura negra que tanto contribuem para a construção da identidade das crianças negras. Assim, cito Tanise Ramos[1] “terminou por concluir que é papel da escola discutir e questionar as práticas de discriminação que acontecem no espaço escolar com vistas a intervir na produção de identidades dos sujeitos”. Pelo exposto, é inevitável incidir em reflexões importantes relativas ao lugar que ocupamos na sociedade, permeando situações e acontecimentos significativos para uma ação pedagógica focada em uma educação antirracista, uma pedagogia do respeito a partir do meu percurso de vida e profissional. Movida pelo  desconforto com a inexistência de debates sobre  as realidades étnicos raciais acerca de suas dificuldades, desafios e enfrentamentos, busco por meio dos estudos na especialização, materializar uma pesquisa apresentada com o tema: como a literatura infantil pode contribuir para a construção da identidade da criança negra a partir da implementação da Lei nº 10639/2003. Trazendo como objetivo geral, pesquisar a partir das as narrativas de professores de 2º ano do ensino fundamental, a utilização de livros ou histórias infantis que abordem a temática das relações étnicos raciais voltado para a reflexão racial no cotidiano escolar desde a implementação da lei. A partir da análise de como são propostas as intervenções pedagógicas quanto ao respeito e valorização das diferenças étnicos-raciais como contribuição na construção da identidade negra a partir de representações positivas capazes de problematizar comportamentos preconceituosos. As professoras atuam numa escola que está localizada no município de Capão da Canoa, Litoral Norte gaúcho, da rede municipal de ensino e atende aproximadamente 850 alunos. Gerida pela secretaria de educação que tem como atribuições planejar, desenvolver, executar, controlar e avaliar a política educacional no Município. Justifico a pesquisa olhando para o passado como quem olha um caderno de recordações, com uma outra forma de olhar, como se não tivesse sido escrito por mim, trazendo à tona a vontade de trabalhar, estudar mais e mais na busca incessante por um mundo mais justo. A minha trajetória traz ingredientes de transformação, de libertação transmitidas pela minha família que através da sobre minha ancestralidade me ensinou como a educação pode transformar as pessoas num processo de dentro pra fora construindo suas histórias e práticas a partir do respeito pelo outro. Mostrando o quanto somos potentes na nossa diversidade, e hoje atuando com professores, partilhando de suas dores e alegrias sinto a necessidade de propor, refletir sobre práticas inovadoras, transformadoras, que valorizem e contribuam para a construção de identidades, fazendo UBUNTU[2] em nossos currículos e planejamentos escolares.

Metodologia: pela crença no papel da escola na luta antirracista, pautada na construção de novas práticas, a natureza da investigação deste estudo foi qualitativa, por levar em conta a variedade de perspectivas e movimentos reflexivos por parte do pesquisador, do tipo estudo de caso aqui compreendido como estudo detalhado de uma instituição em específico sobre determinado fenômeno, percorrendo os caminhos metodológicos propostos por MINAYO(2012). A pesquisa foi desenvolvida em duas etapas: a primeira incidiu em identificar as obras utilizadas pelas professoras em seus planejamentos com a temática étnico racial a partir da implementação da lei  e a segunda  na análise das narrativas de seis professoras do 2º ano de uma Escola de Ensino Fundamental do Município de Capão da Canoa / RS acerca de como vem sendo desenvolvidas as representações étnico raciais compreendidas nos livros infantis, apresentando como instrumento a análise de questionário estruturado organizado e aplicado mediante a elaboração prévia de um roteiro contendo número de perguntas fechadas acerca da aplicação da lei relacionando com histórias infantis nas atividades de sala de aula, estabelecendo relações com a perspectiva dos autores pesquisados. A pesquisa resultou num artigo com reflexões a partir das narrativas das professoras pesquisadas para subsidiar os demais docentes nas suas sequências didáticas, apresentando possibilidades de modo a colocá-los em contato com novos processos educativos, incluindo as produções de autores negros, proporcionando contato com histórias onde personagens negros falam de suas vivências, contribuições sociais e culturais.

Resultado: foi possível constatar a partir da análise das obras utilizadas pelas professoras, que as que abordam as relações étnico raciais é bem menor do que as com histórias de outras temáticas, além de poucas são sempre as mesmas, demonstrando um desconhecimento de novas e ricas produções literárias sobre o tema. No que se refere ao planejamento das professoras, tomando como recorte as do 2º ano do Ensino Fundamental da referida escola, aparece um certo descomprometimento com a importância da abordagem do assunto, conforme a narrativa do professor A[3], quando questionada se há uma preocupação em trazer representações positivas acerca da criança negra ou indígena em suas aulas.

“Confesso que este ano o foco é alfabetizar e ensinar as crianças a fazer o seu nome e somar 2+2, mas sempre trabalhamos no nosso dia a dia atividades e brincadeiras onde todos são incluídos e procuramos conversar sobre as diferenças. Como professora de séries iniciais, gosto muito de contar histórias e os alunos ilustrarem o que entenderam. E assim, conversamos sobre o assunto de uma forma lúdica.” (Professora A)

Ainda foi possível perceber certo desconhecimento acerca da complexidade do trabalho pedagógico comprometido com a perspectiva de colocar o negro como agente do processo histórico, isso fica claro na resposta da professora B, “Uso o que a cultura negra deixou pra nós como alimentos, dança, religião e etc.…”. Em sua reposta, essa reduz à contribuição da cultura africana a poucos costumes, de forma rasa e sem nenhuma participação social significativa na construção da identidade nacional.

Para dar conta das discussões presentes, a pesquisa teve como base teórica a Pedagogia Crítica/ Libertadora de Paulo Freire. Uma pedagogia que fundamenta sua prática na necessidade de superação de grupos oprimidos por acreditar que o empoderamento se dá a partir de um processo de conscientização aliada a uma prática transformadora, “trabalhar a legitimidade do sonho ético-político da superação da realidade injusta”. (FREIRE,2000, p.43). Freire nos apresenta a educação como prática de liberdade, como forma de engajamento em lutas pela superação da opressão. Além de Freire, a pesquisa se fundamentará em outros autores como Silvio Almeida, Djamila Ribeiro, Gládis Kaercher, Grada Kilomba, Lélia Gonzalez, Kabenguele Munanga entre outros que abordam com maestria aspectos fundamentais como também autores/a negros/a da literatura infantil que trazem representações positivas da identidade étnico-racial, que merecem ser inseridas nos planejamentos para ampliar as vozes e cores nas histórias infantis.

Considerações Finais: o racismo é muito discutido atualmente nos mais diversos espaços, mas no ambiente escolar esse debate se revela ainda superficial e, muitas vezes, de forma estereotipada. Diante das narrativas das professoras da escola pesquisada, foi possível identificar que mesmo com a contribuição que lei nº 10639/2003 trouxe, existe a necessidade de novos modos de articulação sobre as relações étnicos raciais e das representações sobre o negro e sua identidade, de forma a desafiar a escola a encarar a temática pedagogicamente, conectando-se com as relações raciais que fazem parte da construção histórica brasileira. Assim, buscando por uma educação antirracista, revendo práticas, de modo a apresentar novos processos educativos, incluindo as produções de autores negros, inserindo histórias onde personagens negros falam de suas vivências, contribuições sociais e culturais. Dessa forma, provocando uma atitude que tencione as representações racistas ainda presentes no chão da escola. O caminho é longo e árduo, mas é preciso trilhá-lo.

Referências

ALMEIDA, Silvio Luiz de. O que é racismo estrutural? Belo Horizonte (MG): Letramento, 2018.

FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido.Ed.78º, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2021.

GOMES, Nilma Lino. Trajetórias escolares, corpo negro e cabelo crespo: reprodução de esteriótipos ou ressignificação cultural? Universidade Federal de Minas Gerais.Faculdade de Educação, nº21, set/out/nov/dez.2002. https://doi.org/10.1590/S1413-24782002000300004.

GOUVÊA, Maria Cristina Soares de. Imagens do negro na Literatura infantil brasileira: análise historiográfica. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 31, n. 1, p. 79-91,jan./abr.,2005.Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/%0D/ep/v31n1/a06v31n1.pdf Acesso em: 8.março,2022.

KAERCHER, G:ZEN, M.I.D. Leituras de crianças sobre a identidade étnico-racial. GT 13 – 33ª Reunião anual- ANPED. Caxambu/ MG,2010.

MUNANGA, Kabengele. Superando o racismo na escola. Brasília: Ministério da Edu. cação, secretaria de Educação continuada, Alfabetização e Diversidade,2005.

MINAYO, Mª Cecília de Souza. Análise qualitativa: teoria, passos e fidedignidade.
Ciência & Saúde Coletiva,vol. 17 N.3 - março/2012.Cobogó,2019


[1] Professora do Colégio de Aplicação da UFRGS nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental. Doutora em Educação pelo Programa de Pós Graduação da UFRGS. Professora do Curso UNIAFRO.

[2] Palavra que representa uma filosofia antiga africana que significa: “sou quem sou porque somos todos nós”.” Sentir-se responsável”.

 

[3] As professoras que participaram deste estudo estão aqui nomeadas como professora A e professora B, para preservar a suas identidades.


Palavras-chave


Identidade; Literatura infantil; Educação antirracista

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