Última alteração: 18-11-2021
Resumo
A relação da humanidade com a cannabis vem criando uma história envolta em muita controvérsia. A planta estava presente na primeira farmacopeia chinesa datada em 2.700 a.C., mas há indícios de que o seu cultivo esteve presente entre os seres humanos há mais de 12 mil anos. Sendo a sua utilização algo tão antigo e íntimo para os seres humanos e estando presente na atualidade em um contexto de preconceitos sociais e políticas repressoras, surge uma necessidade de investigar com maior precisão os seus efeitos e as percepções que os usuários encontram após a ingestão da cannabis nos mais diferentes contextos de uso. Muitas religiões utilizam plantas com efeitos enteógenos ou curativos e a cannabis vem sendo utilizada milenarmente com esse propósito através das mais variadas religiões e culturas do mundo. Sendo assim, os usos religiosos da cannabis podem revelar dimensões interessantes das agências da planta, que podem informar novos usos ligados à noção contemporânea de ‘espiritualidade’. Este trabalho tem como objetivo identificar e categorizar os diferentes usos da cannabis em cultos e tradições religiosas, bem como em práticas espirituais independentes. Para a realização desta pesquisa - de caráter qualitativo - foram coletados e analisados artigos científicos e capítulos de livros sobre o tema, a partir dos quais os usos foram identificados e categorizados. Os resultados parciais indicam que a cannabis é utilizada em religiões pelos seguintes efeitos: transcendência (facilita e viabiliza a conexão com outros mundos e com espíritos, ajuda a entrar em contato com o “outro lado” ou “dimensão oculta”); iluminação (busca de ‘esclarecimento’, ‘instrução’, ‘avança o tempo e revelar eventos futuros’); cura (para doenças físicas ou espirituais); paz (arreda a tristeza e a violência); comunhão (estimula harmonia comunal com os outros, união); e purificação (limpa todo o corpo e a mente). Muitos desses efeitos do uso tradicional religioso da cannabis aparecem em uma forma secularizada/moderna no uso adulto/recreativo/psicodélico, como mostramos em trabalho sobre este tipo de uso/efeito. Concluímos que a realidade da cannabis só será entendida e devidamente tratada como política pública se cada um dos usos praticados e dos efeitos que ela causa aos usuários forem compreendidos com o devido respeito às tradições milenares de uso e às forças da planta que causam desejo nas pessoas.